sábado, 27 de setembro de 2003

Bons dias a todos!

Tenho várias boas desculpas para não ter postado nos últimos dias. O de sempre: excesso de planos, excesso de sonhos e, felizmente, excesso de idéias. Este último é o que mais me alegra. Desde o dia 15 escrevi quatro contos (o mesmo que tinha escrito do começo do ano até então!). E parte do resultado desse upwelling de criatividade já vai estar disponível para leitura a partir de amanhã! Vejam aí embaixo:


O GRITO -- PRIMEIRO ENCONTRO DE VAMPIROS E TERROR

Convido todo mundo a comparecer ao evento "O Grito - Primeiro Encontro de Vampiros e Terror", onde estarei autografando meu livro mais recente, "O vampiro de cada um", uma coletânea com 13 contos que mostram as diferentes faces dos filhos das trevas.
Espero todo mundo lá no evento!
(Ficha do livro: O vampiro de cada um. São Paulo, 2003, edição de autor. Contos. 120 p. Preço: R$ 15,00. Informações e venda: http://www.ovampirodecadaum.hpg.com.br)

O Grito - Primeiro Encontro de Vampiros e Terror

-- Exposições e vendas de produtos -- Estandes de fã-clubes -- Escritores autografando livros de vampiros -- Venda de livros -- RPG -- Trilha sonora vampírica -- Debates -- Exibição de Animês, Seriados e Curtas -- Sorteios -- Encontro das listas de escritores de vampiros e terror -- Prêmios e sorteios ? Distribuição gratuita de fanzines

Entrada:
-- R$ 1,00 + 1 kg de alimento não perecível
-- lanche comunitário: um prato de salgado (mulheres) ou doce (homens)

Data: 28 de setembro de 2003
Horário: das 11:00 às 18:00
Local: R. Conselheiro Furtado, 1411 (Aclimação)


Realização: PDY Eventos
Apoio: Carcasse / Adorável Noite / Boca do Inferno
Escritoras: Giulia Moon / Martha Argel / Eliana Gomes
Grupos da Internet: AnneRice-BR / TintaRubra / CryaContos


... mas, Martha, que diabos é upwelling!?
Ah, quando a gente menos espera, o passado aflora à superfície. Fazia anos que eu não via essa palavra, que dirá usá-la. Upwelling é um termo usado em oceanografia e traduzido para o português como 'ressurgência'. É mais fácil explicar seu significado com um exemplo real: por baixo da corrente marinha de água quente que desce rumo sul ao longo da costa brasileira (Corrente do Brasil, claro), existe uma corrente submarina de água fria correndo no sentido oposto, isto é, subindo para norte. Quando essa corrente chega na altura do Rio de Janeiro, a costa (que nesse trecho tem orientação leste-oeste) barra o caminho e ela não pode continuar sua rota. Todo esse tremendo rio é então desviado pra cima, e as águas geladas surgem à superfície. (up + welling = brotar pra cima; ressurgência = surgir de novo). Uma ilha de mar polar em pleno trópico. Não é outro o motivo da cidade de Cabo Frio se chamar Cabo Frio... Ou vocês nunca tinham pensado no porquê do nome?

Tenham todos um bom final de semana. Espero-os, domingo, lá n'O GRITO!!!

Martha Argel

segunda-feira, 22 de setembro de 2003

Bons dias. Hoje: nublado, 16 graus.

Thor
Carollia, a morcególoga, perguntou do Poderoso, o pitpulga, o puldog. Vai muito bem, cada vez mais enturmado com o sofá da sala. As visitas não resistem, e sem exceção testam as mil-e-uma formas de cobri-lo com o aguayo, a mantinha boliviana que já se tornou sua possessão. E tem foto dele na internet! O site é http://www.mikelhasa.hpg.com.br, e as fotos estão na galeria de AUmigos, página 16. Visitem meu filhote lá!

Aves, gastronomia e U2
E passou o Juan por aqui de novo. No sábado descobrimos aqui perto de casa um restaurante capixaba. Esqueçam a tal moqueca baiana. A VERDADEIRA é a do Espírito Santo. Saudades do ano que passei nesse Estado maravilhoso!
Depois do banquete, fomos com a Giulia à Benedito Calixto, onde causou certa incredulidade o fato de sermos DOIS os ornitólogos no local.
De lá o Juan voltou pra casa, enquanto a Giu e eu demos prosseguimento a uma programação vampírica. Voltamos a nos encontrar de noite, em casa, para um papo regado a vinhos bons e ruins e música do U2. A noite foi coroada com um documentário es-pe-ta-cu-lar sobre The Joshua Tree, o inigualável cd lançado em 1986 pelos irlandeses e que, para mim, é o melhor disco de todos os tempos.
O domingo foi de muitas conversas interessantes e de noite passou o Dante aqui e carregou embora o Juan para uma aventura ornitológica que espero que dê certo.
Foi bom voltar por algumas horas ao universo passarinheiro.

Cenas das caminhadas. I
Todo dia vejo um senhor caminhando. Passos apressados e curtos, braços num movimento pendular rápido e nervoso, no mesmo ritmo. Um chapeuzinho de lona, abas moles, pequeno demais e equilibrado no alto da cabeça. Não olha para os lados, sempre para o chão a sua frente. Não cumprimenta ninguém. Deve caminhar porque o médico mandou. Ontem, numa ligeira mudança de itinerário, flagrei-o no retorno ao lar, abrindo a porta de uma casa decrépita. Paredes manchadas, janelas tristes, jardim abandonado. Velha, construída na década de 50, quando o bairro surgiu e extinguiu a pastagem que revestia as colinas suaves do atual Planalto Paulista. Casa e morador envelhecendo juntos, sentindo os efeitos da idade. Que ele ameniza caminhando. Mas a casa trai a decadência. De ambos.

Cenas das caminhadas. II
Se a gente se convence de que sempre há alguma surpresa no trajeto de todos os dias, elas inevitavelmente aparecem.
Por exemplo o ipê-amarelo prematuramente carregado de frutos que vi hoje. Não por acaso essa é a árvore nacional do Brasil: no mês de setembro, em que o ufanismo oficial comemora a independência que de fato nunca obtivemos, os ipês se despedem das folhas, vestem-se de flores e se transformam em grandes manchas amarelas na paisagem, vistosos, alegres, vigorosos. Pois esse ipê que encontrei ignorou o calendário, as flores já se foram e ele se transformou numa árvore triste, ainda desfolhada, com os longos frutos pendendo como grandes lágrimas de doentio tom ocre. Contra o fundo cinzento do céu nublado, me fez sentir, de repente, uma melancolia profunda, uma sensação de desespero. Fui salva pelo bom-dia de uma moça que passeava seu cão, olhos de um azul luminoso e sorriso radiante ao me ver tentando estabelecer amizade com o bichinho. Ufa. Quando olhei de novo o ipê, o que vi, pendendo dos galhos, foi a promessa de futuras árvores.

Tenham todos uma boa semana.

Martha Argel

PS. Trosco e Lúcia, obrigada pela visita! Saudades de BH!!

quinta-feira, 18 de setembro de 2003

Querido diário, ontem o dia começou com um longo passeio pela Rede, visitando a esmo sites com fotos de cachorros. Ainda bem que não houve testemunhas para os sons decididamente debilóides que eu produzia a cada foto. Minha favorita foi a Estrupícia, uma SRD espertíssima !
Então a caminhada diária, uma consulta encorajadora à balança (apesar do consumo abusivo de porcarias, não engordei, invejem-me) e a visita meramente estética à igreja, tentativa de serenar o turbilhão mental.
De volta ao lar, a re-escrita de um conto -- sim, voltei à ficção curta, após meses.
A seguir, um dos compromissos do dia me mostrou que ainda consigo assistir uma palestra de cabo a rabo. Aliás, fui uma das escassas pessoas que o fizeram ontem. Não por falha do palestrante: Claudio Willer, presidente da União Brasileira de Escritores, numa excelente exposição sobre 'Paródia, sátira e intertextualidade no Modernismo', muito clara e didática. Primeira vez que assisti a uma aula sobre literatura. Me fascinaram os pontos de contato entre a teoria literária e tantos temas que me interessam dentro da ciência. Adorei encontrar, ao longo da preleção, conceitos que absorvi de uma obra que está na estante especial de livros-que-marcaram-a-minha-vida: A construção das ciências, de Gérard Fourez. Uma pena o público não estar à altura. Universitários, daquele tipo já conhecido, de outros carnavais e oba-obas. Nem os professores ficaram até o fim. O auditório em si parecia calculado para ofender palestrantes e público: todo espelhado, cada pessoa que saía ?discretamente? tinha sua imagem multiplicada ao infinito e era como se uma multidão estivesse se retirando em desprezo ao orador. É essa nossa elite cultural. Parabéns, discentes e docentes dessa universidade privada (ambas acepções), onde os guichês de pagamento formam um longo corredor, de dar inveja ao Pacaembu.
Findo o evento, aproveitei para mergulhar na Liberdade. Compras, window-shopping e almoço de palitinho, sentada na praça em companhia de uma amiga.
Daí me abalei para o próximo compromisso e, pra não chegar meia hora adiantada, nada mais conveniente do que um passeio pelo cemitério. Entrada restrita, mas me vendo toda de preto (é óbvio), o segurança deixou passar: 'Vai pro velório, não é'?. Não neguei nem confirmei, mas entrei.
O passeio me deu alguma tranqüilidade e, no bate-papo ao qual cheguei pontualmente, até consegui aceitar sem muita consternação a opinião de alguém que entende da coisa. É bom ouvir a argumentação de um expert, que além de dicas valiosas, me ofereceu ajuda. Não gostei muito do raciocínio lógico dele, mas no fundo eu já sabia. Continuo não gostando da idéia. E minha porção sabotadora me faz ir sempre pelo carreiro mais sinuoso e difícil. Mas é isso: depende de mim, e depende de minha decisão.
No total, um dia bom.
Espero que o dia de vocês também tenha sido.
Cuidem-se.

Martha Argel

segunda-feira, 15 de setembro de 2003

Bom dia.
Mais um dia cinzento amanhecendo lá fora. Antes de mais nada, obrigada Trosco, Amanda, Carollia, Ceres, Kiki, Cid e Carmilla, pelos comentários, e a todos os anônimos, como o Carlos, que visitam quietinhos e que ocasionalmente me surpreendem (''ah, li no teu blog...'').
Os últimos dias foram interessantes. Novos amigos, alguns velhos amigos, novas leituras, releituras. A vida aos poucos vai mudando, se transformando sem que a gente perceba, mas definitivamente deixando para trás hábitos, pessoas, interesses que o tempo se encarrega de desatualizar em nossa mente. Acontece, com simplicidade, em silêncio, e a dor da perda nem sempre é sentida porque sequer a perda é notada. Uma amizade pode ser esquecida como um guarda-chuva no assento de um ônibus. Simples assim.
Terminei um livro que nem mesmo eu sabia que estava escrevendo (contabilidade: agora são nove).
Baixei a pilha de livros não lidos. Reli um autor que devorava quando criança, e foi uma decepção. O livro se passava na Bolívia, uma de minhas três paixões (as outras, claro, são Brasil e Argentina). O autor obviamente NUNCA pôs os pés lá. O livro é um paradidático que ensina BOBAGENS!!!! O sujeito ensina, por exemplo, que a flor nacional boliviana é a ''kantrita'', e isso aparece até na ficha de estudo dirigido. Talvez ele seja um gênio, e tenha descoberto que esse é o nome correto da Cantua buxifolia, que todos os livros citam como ''kantuta''. Ou talvez ele tenha simplesmente feito uma pesquisa porca e apressada pra ganhar mais um troco com mais um livro mal-escrito. As descrições que ele faz do povo boliviano, da paisagens, do rio Choqueyapu, da montanha Chacaltaya, das ruínas de Tiahuanaco são estapafúrdias. Eu adorava os livros dele quando adolescente. Ele se orgulha de ter escrito mais de 160 livros. Agora eu só posso me horrorizar com a quantidade de erros que ele enfiou garganta abaixo de seus leitores adolescentes.
E li alguns livros de contos de autores pouco conhecidos. Nenhum deles é mal escrito. Linguagem correta, boas construções. Aqui e ali um conto memorável, bom mesmo, com esta ou aquela idéia muito bem sacada. Mas de forma geral, um vazio na mensagem. Ou antes: a mesma mensagem transmitida N vezes. Se tirar o nome do autor, poderia ser tanto um quanto outro a escrever qualquer dos contos. Variações (pequenas) sobre o mesmo tema: divagações sobre a vida. Poderiam ser minhas, de vocês que me lêem ou de qualquer um desses autores. Escrever bem não é suficiente para um autore se destacar. Se assim fosse, os professores de gramática ocupariam o topo de todas as listas de best-sellers.
Finalmente: COMPREI O CD DO EVANESCENCE!!! Delícia, delícia, delícia!!!! Com um vinho tinto e um cobertor quentinho, numa tarde fria e cinzenta, é um delírio (quase tão bom quanto After Forever ou Ambeon, mas tá de bom tamanho, considerando-se que são meros ianques).

Desejo-lhes uma boa semana. Que consigam perceber os tesouros que temos sempre a nosso lado e aos quais raramente damos valor.

Martha Argel


quinta-feira, 11 de setembro de 2003

Um texto que escrevi hoje, mais cedo, num lugar especial (pra mim, pelo menos):

''Neste momento, nos termômetros urbanos, 10 graus. São Paulo se veste de cores escuras, ar europeu, classudo. Estou sentada em um banco azul, árvores e edifícios à minha frente. Atrás de mim, um prédio enorme, fileiras intermináveis de janelas, uma data na fachada: 1954. Ano que vem faz meio século.
Pra mim, tudo começou neste lugar. Quarto 505, que hoje não consegui visitar. Há 42 anos nós, nenês, nascíamos aos montes por aqui. Hoje não. Em breve voltarão a nascer. ''Questão de dias'', informa o porteiro. Mas hoje os quartos que já viram tantos paulistaninhos vir ao mundo estão vazios. ''Não há pacientes, o centro cirúrgico está em reformas'', ele explica, ''os carros aí fora são dos prédios vizinhos''.
Nas árvores do jardim ouço cambacicas, bentevis e maritacas. Não cantam os sabiás cujos antepassados cantavam numa manhã clara, tantos anos atrás.
É a segunda vez que venho aqui. Cheguei caminhando. Na primeira, não. Cheguei de outra forma. E em outro sentido, muito mais amplo.
O vento frio sopra e balança as folhas ao meu redor.
É estranho. Já subi os Andes, desci ao Fim do Mundo, atravessei o Atlântico. Mas estou aqui. Tantos anos e tantos quilômetros, e estou de volta exatamente ao mesmo ponto onde começou esta minha longa viagem.
Acabo de ver um sabiá. Agradeço-lhe pela trilha sonora, a primeira de minha vida.
E então, no meio da folhagem, outro sabiá começa a cantar.
Era isso que eu queria. Cumpri minha missão.
Hora de tocar a vida adiante.''

Fiquem bem, todos.

Martha Argel
Onzes de setembros

Este onze de setembro ainda não amanheceu .
Noutro onze de setembro, faz exatamente um ano, eu postava aqui uma história triste. ''Ainda. Sempre.'' ela se chamava. Me fez chorar então. Hoje não faz. Devo estar num daqueles períodos glaciais que às vezes se impõem ao coração da gente. Talvez seja a força preservante do gelo que nos traz a paz.
Há dois anos, em outro onze de setembro, o mundo descobria o quão frágil é a vida. Eu vivia meu momento particular de inquietude e sobressalto, e me indignei com a intrusão insolente da política internacional em minha vida e em meu caos emocional. Por que justo num onze de setembro? Porque justo naquele onze de setembro?
Ainda num onze de setembro, trinta anos atrás, eu brincava, espalhada no assoalho do meu quarto junto com livros, brinquedos, tesourinha de ponta redonda e recortes de papel, e pela janela aberta entrava o sol de quase-primavera, quando ouvi no rádio a notícia. Lembro-me de levantar a cabeça, assustada, ao saber que, enquanto eu estreava feliz os meus doze anos, a milhares de quilômetros uma revolução fazia um presidente aplicar um tiro fatal na própria cabeça. Um militar subiu ao poder. Mesmo sem entender de política, concedi a esse ditador o status terrível de meu inimigo pessoal. Nunca lhe desculpei pela afronta de me ensinar que a vida é desigual, e que, no mesmo instante em que estamos cercados pela felicidade, outras pessoas sofrem. E morrem. Anos atrás, seu processo, sua extradição e sua doença tiveram para mim sabor de justiça.
E faz quarenta e dois anos, meu primeiro onze de setembro. Numa manhã ensolarada, o sabiá cantou pra mim.
Como canta agora, na madrugada de mais um onze de setembro. Chuva, frio e vento lá fora, reflexos brilhantes das luzes nas poças d'água. Ainda é noite. Mas ele já canta.
Canta pra mim.
Alguém aí duvida?

beijos a todos

Martha Argel


quarta-feira, 10 de setembro de 2003

É tão mais fácil escrever sobre a dor, sobre a desilusão e o desencanto do que sobre a paz, a satisfação, a serenidade. Quando inquietos é que precisamos desabafar. Então a escrita. Mas quando os dias passam mansos, pra quê tentar encontrar as palavras certas se estamos tão ocupados vivendo?
A chuva cai lá fora, tranqüilizadora, lenta. Como lentos têm sido meus dias. A retomada das caminhadas me trouxe a sensação boa do reencontro. Velhos amigos: pessoas, árvores, os cães sempre tão irresistíveis, a paisagem familiar das casas que reconheço, uma a uma, os jardins e as calçadas. Perfumes. Os manacás estão floridos de novo, deliciosos. E ontem um cheiro tão bom me fez parar, confusa, em uma esquina e procurar ansiosa por sua origem, até meus olhos descobrirem um cinamomo totalmente recoberto com suas pequenas flores delicadas. O carinho que sinto por essa árvore vem da infância.
E quem disse que a cidade é cinza? Ipês-amarelos, jacarandás-mimosos, beijos, rabos-de-papagaio, bauínias, azaléias, quaresmeiras. Manacás e cinamomos. Ela é colorida e perfumada. Pra quem sabe ver e sentir. E aproveitar a paz.

terça-feira, 9 de setembro de 2003

Bom dia de sol tímido mas gostoso.

Uma decepção, uma traição
Uma pessoa que eu considerava amiga e parceira, que eu achava que tinha consideração por minha capacidade e por meu histórico profissional me passou uma rasteira colossal. E o pior, em associação com alguém que já está em minha mira há muito, por sua arrogância e falta de consideração. Oportunismo seria a palavra correta. Estou decepcionada. Estou enfurecida. E impotente. Contra traidores e fuinhas não existem pesticidas eficientes.

Descoberta arrepiante
Ontem, mato. De novo.
Área na periferia de uma megalópole mais selvagem do que qualquer floresta. A trilha começava numa pinguela sobre um córrego que não era esgoto mas que trinta metros pra baixo seria. Trilha bem batida, escalando o morro e cruzando a mata, fuleira como todas as que sobraram no entorno paulistano. O de sempre, árvores finas e por baixo capins, taquarinhas, samambaias e muito lixo. Até que chegamos numa clareira inesperada, árvores ainda de pé mas toda a vegetação rasteira, incluindo os galhos baixos, removida. Até o folhiço tinha sido afastado, deixando o solo exposto. Limpinho. Coisa esquisita, a trilha chegava bem batida mas do outro lado saía muito menos usada. E dava noutra clareira. E então terminava. Estranho. Esse tipo de trilha costuma ser de passagem, um meio de cortar caminho de um lado a outro do mato, mas neste caso estava evidente que o destino eram as clareiras. Pra quê, nos perguntamos? Aí prestei atenção. Farrapos de uma lona nas bordas da segunda clareira e trapos amarrados nos troncos indicavam que algum tempo antes tinha sido montado um toldo. No chão, lixo nenhum exceto tiras de papel bem branco, como nomes de pessoas escritos com caneta azul. Sempre mais de um nome por papel, em geral ‘fulana e fulano’ mas tinha um com ‘fulano e família’, e outro com cinco nomes. A maioria das tiras tinha sido reduzida a pedacinhos pequenos. Examinando melhor, descobri os mesmos papeizinhos na primeira clareira e em outras duas mais. Alguns sacos de supermercado jogados, sempre nas bordas, sugeriam que algo havia sido levado às clareiras e que, fosse o que fosse, tinha ido embora junto com os freqüentadores. Saí de lá apressada, ansiosa por voltar pro carro e, admito, com os joelhos tremendo.
O que quer que aconteça naquelas clareiras, acontece com freqüência. Não sei o que pode ser e não tenho certeza se quero saber...

Fim de Inverno – bis
Outra ave de volta a Sampa: a tesourinha, Tyrannus savana. Vi hoje pela primeira vez depois do frio.
E já aparecem pelas calçadas as cascas vazias dos ovinhos eclodidos das rolinhas. Já temos os primeiros filhotes da temporada 2003-2004!

Aproveitem os dias.

Martha Argel

domingo, 7 de setembro de 2003

(escrevi este texto ontem de madrugada, quando deveria ter sido postado, não fosse por esse maldito Blogger que tava fora do ar...)

Bons dias a todos.

Fim de inverno
Lá fora o sabiá canta a madrugada paulistana. De poeta, artista, sonhador ele não tem nada. É macho, e demarca o território pra conquistar da fêmea o direito de perpetuar seus genes. Mas é o sinal do fim. Fim do frio besta do curto inverno do trópico de Capricórnio.
E corroborando o sabiá... eles chegaram! Ontem ouvi, antes de ver, o primeiro andorinhão. Mas só ele. Parece que o resto da esquadrilha não tá muito convencido da honestidade de nosso veranico. A Giulia me perguntou se o andorinhão é muito maior que a andorinha.Vamos por partes: pra começar, não é o andorinhão ou a andorinha. No Brasil tem 16 espécies de andorinhões e 15 espécies de andorinhas. Em São Paulo, a andorinha mais comum é a Notiochelidon cyanoleuca, nome comprido pra um bicho pequeno, que eu chamo de nocy; nosso andorinhão é a Chaetura andrei, que batizei de chan. E por fim, quanto ao tamanho: a nocy tem 12 cm de comprimento, e o chan tem... 11,5! Não me perguntem nada, que eu não sei o porquê.

Eu na Sci Fi News
Saiu uma notinha sobre meus livros, e sobre o livro da Giulia, na Sci Fi News deste mês de setembro. Somos citadas, ainda, no artigo da Lu Costa sobre a Sci Fi Con 2003. A revista está interessante, tem uma matéria sobre os filmes Piratas do Caribe e Liga Extraordinária.
(Um parênteses: me decepcionei ao saber que o primeiro foi baseado num brinquedo da Disney e o segundo numa história em quadrinhos. Pasteurização total. Podem me chamar de antiquada. Quando era criança, li the real thing: Robert Louis Stevenson, H. G. Wells, Emilio Salgari, Júlio Verne, Alexandre Dumas. Os personagens desses caras foram roubados por nerds rasos, vazios de respeito e plenos de oportunismo. Blé.)

Últimas leituras
Dois livros que recomendo, de autores que conheci há pouco, ambos muito simpáticos.
Patagônia, de João Batista Melo (Rocco): em clima de velho oeste, um brasileiro chega à Patagônia em busca do homem que assassinou seu irmão. E o malfeitor não é outro senão o infame Butch Cassidy, o pistoleiro estadunidense! Boa leitura, estilo fluido, correto e absorvente. Talvez um ritmo algo lento para o que são meus dias corridos, mas é o ritmo patagônico, sem tirar nem pôr. O João Batista foi perfeito; nas suas viagens ao lejano sur, o sul distante, ele conseguiu captar com exatidão a paisagem imensa e monótona que se entranha na mente e nos ossos do visitante, de tal forma que ele nunca mais vai deixar de se sentir um pouco patagônico. Me deu inveja.
O Cristo rosa, de Silvio Piresh: Cristo retorna após 2000 anos, em pleno Vaticano, só que a volta do Salvador é algo inaceitável para a Santa Mãe Igreja. O estilo é gostoso, me lembrou o Dalton Trevisan na forma (embora não no cinismo ranço e desagradável do curitiboca) e a leitura é rápida, embora eu tenha pulado alguns trechos de reflexões pra voltar à trama, muito bem urdida. O Sílvio tem um humor notável, e seus diálogos são ágeis, inteligentes e surpreendentes. Opiniões firmes, dá pra notar. Vale a pena ler.
E agora estou lendo o passeio do duque a cavalo e outros poemas, do meu amigo, o poeta Luiz Carlos de Moura Azevedo. Não faço segredo de minha incapacidade para ler poesia. Mas o Luiz Carlos é especial. Ele eu consigo ler. Ele já tinha dito que eu conseguiria. Deve ser porque ele é arquiteto e consegue, como eu, olhar pra fora...

Fiquem bem, curtam o final de semana porque vocês merecem.

Martha Argel

quinta-feira, 4 de setembro de 2003

Ontem, 3 de setembro, foi o Dia do Biólogo. Parabéns pra nós!!! Tenho tido muito contato com meus colegas ultimamente. É TÃO bom encontrar amigos e parceiros que falam a mesma língua, com os mesmos valores e que compartilham nossos ideais.
Usei a data como pretexto pra comemorar comprando livros. E mais um pingüim de pelúcia pra coleção.
E a Suely me convenceu a assistir Piratas do Caribe. Acho que eu já disse aqui que não sou cinéfila (shame on me!), que minha cultura cinematográfica é pífia e que raramente vou ao cinema. Mas quando a Su se entusiasma com algo, é porque é bom. E fomos. AAAAAAAAAAAH!
Que delícia de filme. Johnny Depp e Orlando Bloom juntos, minhanossiora!!! Visualmente é tudo uma maravilha. Os cenários e as poses (principalmente do capitão Jake Sparrow) são perfeitos, tudo aquilo que a gente espera de um filme de corsários. E o humor é espetacular!
Depois do filme, comemos uma massa que... ai, Jesus! Ainda bem que não estou nem um pouco preocupada com a balança.
Gente que comenta, obrigada.
Trosco, é uma pena que vc esteja aí em BH. Pensei muito em vc anteontem, ao visitar a Catedral da Sé. Me intrigava muito o porquê de uma construção gótica em pleno século XX, mas agora matei a charada. Ah, como eu queria ter um arquiteto de plantão pra encher de perguntas!!!
Ceres, salvo como dever escolar, nenhum leitor tem obrigação de ler um livro. A obrigação é do autor, de tornar sua escrita cativante a ponto de manter o leitor até o fim. Se ele não consegue, todo seu trabalho terá sido em vão, pois ele falhou em sua missão única: transmitir suas idéias.
Kiki, estou absolutamente enlouquecida com estes malditos carrapatos. Já passei por isto outras vezes. Vou sofrer por meses. Maldita alergia. E eles são nojentos.
Carollia, como foi seu dia do biólogo? Tenho falado com o pessoal da Toca. Saudades de Ctba. Preciso arranjar um pretexto...
É isso. Que os dias sejam bons para quem é bom. Sejam AMIGOS não só em aparência mas em essência.

Martha Argel

segunda-feira, 1 de setembro de 2003

Segunda feira fria, de madrugada, e eu correndo contra o relógio para manter minha fama de profissional séria e pontual. Às dez, chova, neve ou haja um terremoto, tenho de estar no escritório do contratante com o documento pronto. Moleza.
Os últimos dias foram bons, mantendo a tendência já observada de melhora em todos (ou quase todos) os indicadores de bem-estar. Contatos e planos novos, como sempre. Projetos que eu achava terem sido arquivados, de repente voltando à tona. Gosto disso. Dá uma sensação de movimento à vida. Em meu entender não há coisa pior que a imobilidade, aquela sensação de um-dia-depois-do-outro-e-todos-exatamente-iguais.
Sexta-feira viajei. Seis da manhã, 11 graus nos relógios de rua, Aniete e eu pegamos a estrada e fomos bater num lugar lindo, beira do rio Sorocaba, mata ribeirinha e uma antiga usina hidrelétrica, fantástica, feita de negras pedras basálticas. Pela primeira vez na vida fiz rapel, para conseguir atravessar o rio por sobre as ruínas da barragem. Adorei, talvez fique viciada: uma corda, equilíbrio, um pouquinho de concentração, e você chega onde jamais teria chegado se desse ouvidos a seus receios e à cautela. É bom. Não tão bom ter encontrado um antro de carrapatos e micuins do outro lado, mas são os ossos do ofício.
Eles fizeram um estrago em mim; nada de febre ou reações pelo corpo, a resposta alérgica é local, mas o antialérgico tópico não está funcionando. Quem sabe hoje procuro outra solução.
E o final de semana foi o que há muito eu precisava. Não botei o nariz fora de casa, e fiz o que me dava na telha, i.e. li muito. Basicamente sobre arquitetura gótica, neo-gótica e um pouco de barroco, e agora já consigo entender um pouquinho certas coisas que me intrigavam.
Também aproveitei para baixar a pilha de livros que esperavam pacientemente ser lidos. Destaque absoluto para "El anatomista", do argentino Federico Andahazi. ESPETACULAR!!!! Um romance de época, sobre o cirurgião renascentista que descobre o que ele chamou de "Amor Veneris", o ponto do corpo feminino onde está sediado o amor. Estou apaixonada por Andahazi, o estilo dele é fluido, irônico, rápido. Sem enrolação. E ele é um gato!!
No meio de leituras, muito chocolate quente e música para acompanhar o espírito das leituras, um detalhe que não deixou de ter seu interesse, ou repercussões de fundo egótico: o celular tocando insistentemente na noite de sábado, a cobrar. Não atendi, desliguei. Estou sem BINA e não sei quem era. Mas imagino; por trás, uma história curta e nada interessante, mas suficiente para dar uma pontinha de satisfação, ah, isso sim!
Seis da manhã, já, e preciso voltar pro documento.
Tenham todos uma boa semana e não fiquem parados, inertes. Façam algo por si mesmos.

Martha Argel